Num artigo anterior havíamos distinguido quatro Hipóteses Teóricas de influência parapsicológicano campo de Psicohigiene (Curandeirismo). Corresponde agora abordar a “Quarta hipótese”:
Quarta Hipótese
Influxo direto do próprio doente sobre seu próprio organismo ou doença, o curandeiro ausente sendo catalisador autêntico, verdadeiro, dessa atividade do doente.
A modo de transição
As teorias de Digby, Paracelso, Avicena, Plínio, e as dos ocultistas como as dos primitivos, já analisadas a respeito da Terceira Hipótese, podemos considerá-las como preâmbulo desta Quarta Hipótese.
Todas as pessoas de senso comum compreendem que os pastores exorcistas, tão numerosos principalmente no Brasil, não curam (nem expulsam demônios) . Simplesmente provocam histeria contagiante
Nos alvores do hipnotismo, o Dr. Dufour, médico-chefe do “Asilo de Saint-Robert” (Isère, França), fazia uma série de experiências sumamente interessantes.
Essas experiências foram dadas a conhecer pelo Dr. Paulo Garnier à “SociedadeMédico-Psicológica” de Paris, na sessão de 31 de maio de 1886: “ T. é sensível à ação dos medicamentos sem serem ingeridos. Os fatos referidos pelo Dr. Dufour são verdadeiramente surpreendentes: um grama de ipeca posta num papel dobrado, colocado sobre um chapéu alto com que T . cobria sua cabeça, determinou náuseas e regurgitações. Tudo cessa, logo que o medicamento é retirado. A atropina dilata levemente as pupilas, seca a garganta, produz uma frouxidão muscular geral. Um pacote de raízes de valeriana, posto sobre a cabeça, apesar de coberta por um grosso boné de lã, produziu efeitos inimagináveis, como um ataque de total loucura (…): Põe-se a andar a quatro pés, brinca como um gatinho com uma rolha (…), lambe as mãos e passa-as nas orelhas. Com a retirada da valeriana, tudo cessa. E T. , achando-se a quatro pés, se admira de estar em tal posição. Não tem lembrança alguma do que ocorreu”
“Toda idéia de fingimento do paciente, toda suposição de Sugestão deve ser afastada, dada à ignorância de T. a respeito dos efeitos dos medicamentos e dadas às precauções que se tomaram para nada se dizer nem fazer que pudesse produzir a Sugestão”.
À luz do exposto nos artigos anteriores, essas experiências e milhares de outras análogas, são muito compreensíveis. Não é, evidentemente, que os medicamentos tenham ação por“transferência” sem serem ingeridos. Nem é uma “exteriorização da sensibilidade” do paciente. É que, apesar de não haver uma Sugestão normal direta nem indireta, háSugestão parapsicológica: o Sr. T., um psíquico (quem manifesta algum fenômeno parapsicológico), algumas vezes capta por Hiperestesia Indireta do Pensamento (HIP,Adivinhação sensorial) os pensamentos dos doutores, que estão presentes. E atua de acordo com o que dele se espera.
Certamente que sem completa regularidade: referem-se os êxitos; os fracassos são deixados de lado.
Isto suposto, as experiências nos servem de transição, porque cabe perguntar-se: assim como por HIP um paciente pode agir de acordo com as idéias que adivinha no médico presente, poderia também ser “influenciado” à distância como resultado de uma Adivinhação extra-sensorial,Paranormal (?) (“sarando” o paciente pela sua própria força). Seria equivalente ao que o povo chama feitiço…
Provas inaceitáveis
Germaine C., uma menina de treze anos, morava em Notre-Dame-de-la-Garde, perto de Montauban, na França. Após uma difteria, ficou cega e muda. A mudez e a cegueira eram indiscutíveis, sendo confirmadas até mesmo pelos melhores médicos e especialistas de Toulouse.
Germaine nunca abandonara a aldeia. O famosíssimo curandeiro Béziat nunca a vira, mas aceitou ocupar-se do caso à distância. E com efeito, uma tarde Béziat invocou, como freqüentemente fazia, “os poderes divinos de que ele era administrador” (!?). Eram 6 e 25 hs. da tarde, e naquela mesma hora a menina recobrou imediatamente a vista e a fala.
Cura à distância (?) A menina era certamente cega e surda. Mas não se exclui de nenhuma maneira que essa cegueira e essa mudez com o tempo se transformassem em histéricas. Submetida a toda classe de testes, realmente ela não adaptava os músculos dos olhos e não movimentava os músculos da fonação. É uma seqüela freqüente da difteria, por efeito dos processos neuríticos provocados pela toxina diftérica. Mas é preciso frisar que, após algum tempo, tais seqüelas geralmente se curam sozinhas. Aliás, não havia atrofia nenhuma dos músculos. Diríamos: a menina continuava cega e muda por inércia, por impressão, histericamente.
Béziat “curou-a” à distância (?) Há uma explicação muito mais fácil e lógica: a menina “sarou” simplesmente porque “sabia que Béziat ia curá-la” nessa hora, e acreditava. E basta. O supersticioso e o próprio curandeiro mais uma vez, na sua ignorância, anotam para si pontos que não ganharam.
“Sentido! O rei morreu!”
É um caso clássico nos pródomos da Parapsicologia. O general espanhol Serrano encontrava-se extenuado por causa da longa doença. Sem ajuda de outras pessoas não podia mover-se de sua poltrona. Não obstante, a altas horas da noite, com espanto dos presentes, levantou-se viril e energicamente e em posição de sentido gritou com voz forte:“Depressa! Que um ajudante monte a cavalo e corra ao Palácio de El Pardo. O Rei morreu”.
Acreditaram que se tratava de um delírio e apressaram-se acalmá-lo. O general prostrou-se na poltrona e ficou como que estático. Pouco depois incorpora-se de novo e pede: “Meu uniforme, minha espada. O Rei morreu”. Foram suas últimas palavras; momentos depois morria o general.
Quando amanheceu, soube-se que de fato o jovem Rei Alfonso XII (1857-1885) morrera nessa noite. Deve-se notar que se mantivera segredo sobre o estado do Rei.
O caso é muito elucidativo. Nada tem demais quanto à percepção telepática entre tantos milhares que a Parapsicologia moderna tem recolhido. O significativo é que a momentânea “cura”… (com referência ao Curandeirismo pomos sempre o termo “cura” entre aspas, porque o curandeiro sempre é perigoso, e quando “cura” criminoso, como demonstramos em outros artigos). Estávamos dizendo que a momentânea “cura” da paralisia do general pela utilização perigosa de suas últimas reservas de forças, foi evidentemente devido ao estado emocional provocado pela percepção psigâmmica que o general teve da morte do Rei.
Parece claro que, analogamente ao caso do general, qualquer outra pessoa captando telepaticamente os desejos de um curandeiro, pela confiança depositada nele ou nas suas práticas supersticiosas, poderia “sarar”.
É outra a explicação
Claramente. De casos semelhantes não pode de maneira nenhuma deduzir-se a existência de “curas” à distância, tão propaladas pelos curandeiros e seus propagandistas,. Em todos esses casos abunda o entusiasmo e na mesma medida falta a objetividade, como vimos no artigo“Os Curandeiros e a Propaganda”. Eternizar-nos-íamos apresentando casos, e em todos eles uma análise serena nos apresentaria outras possibilidades de explicação diferente e bem mais lógica do que a “cura à distância”. Conhecemos o poder da Auto-sugestão, como vimos nos artigos titulados “Por que ‘saram’ os doentes (?)” e “A força curativa do psiquismo”.
De outro ângulo: Sabemos que existe a faculdade Paranormal (PN) chamada PSI-GAMMA (PG, Psico-Gnosis, Conhecimento Psíquico). Por que então uma palavra, um desejo, uma atitude de “cura” no curandeiro ausente, captada paranormalmente, não poderia ocasionar que um paciente se “curasse” a si mesmo (?) Poderia… Captação parapsicológica, pouco freqüente, excepcional, mas poderia… Ora, repetimos, o mérito é exclusivo do doente. Mesmo que fosse completamente ao contrário á vontade do curandeiro, mesmo que não desejasse nada. Mesmo que nem soubesse da existência daquele doente. Mesmo que fosse pura invenção do paciente… Repetimos: Devemos rejeitar a propaganda dos curandeiros e dos seus sequazes.
Um grupo. Na Inglaterra existe a “Guild of Spiritual Healing ”(“Associação dos Curadores Psíquicos”). Trata-se de uma organização de curandeiros espíritas. (Muitos casos dessas organizações supersticiosas há em outros países, especialmente no Brasil). Seguem as instruções de um “médium”, Sr. Simpson, que teria por sua vez sido instruído pelo “espírito”(ponho freqüentemente a palavra “espírito” entre aspas, porque não há espíritos humanos sem corpo, material ou espiritualizado pela ressurreição) de um médico do além (não há comunicação dos mortos) que se chamaria Dr. Lascelles. O grupo de curandeiros é composto por sete (número mágico!).
Nas suas sessões, abertamente espíritas, os sete “médiuns” (Não há mediunidade ou comunicação dos “espíritos”) intercedem ao mesmo tempo pelo doente. A sincronização e comunhão dos pensamentos seria, segundo o teórico da escola, a grande chave da força “curadora”. Á distância, também segundo o Sr. Simpson , não apresenta nenhum obstáculo. Assim foram tratadas desde Londres pessoas da África do Sul, Austrália, China ou Malásia. Semanalmente são tratados com o método da “Guild” até uns dois mil doentes.
O curioso, o realmente admirável e não menos repreensível é que até a “Associação Médicada Inglaterra” admitiu certa dúvida ou simpatia pela “Guild”. Inclusive alguns médicos chegaram a submeter seus próprios parentes a esse tratamento.
Entre as doenças “curadas”, citam-se particularmente casos de tuberculose, paralisia infantil, diversas perturbações cardíacas, três casos de cegueira, estacionamento de câncer(por quanto tempo?) e até outro caso de estacionamento (não de cura!) de lepra branca.
Mas frisa o Sr. Simpson, “é necessário que o paciente esteja apto para corresponder no momento exato e fixado pelo grupo para concentração de suas forças sobre o caso. O grupo age como um posto transmissor, e o doente como um aparelho receptor, ligados por um feixe de ondas restauradoras” (?!).
Caberia perguntar se a força “curadora” não depende exclusivamente da “concentração das forças do doente no seu caso” e da confiança supersticiosa que deposita na suposta ação à distância dos “médiuns”.
Mas também não seria possível que a concentração e comunhão do pensamento do grupo de curandeiros fosse um mais apto objeto da Adivinhação inconsciente do doente, e que esta Adivinhação de um forte desejo de “cura” possa desencadear maiores forças “curativas” do próprio paciente (?) Eis a Quarta Hipótese.
Esta demonstrado em Parapsicologia o chamado “Efeito de Reforço” nos “agentes”. São muitíssimos os casos e experiências: “Multiplicando-se os ‘agentes’, o fenômeno (da chamadaSugestão Telepática) pode surgir com maior facilidade, mesmo quando as demais condições são péssimas”.
Importância do “agente”
Numa série de experiências realizadas pelo Dr. Gilber Murray, distinto humanista da Universidade de Oxford e presidente da “Sociedade de Pesquisas de Parapsicologia”(S.P.R.), de Londres, os ‘agentes’ eram diversos grupos de membros daS.P.R., entre eles a famosa metapsiquista Dra. Sidgwick (filha do Dr. Murray). O receptor era o mesmo Dr. Murray…
O êxito, quando entrava em algum dos grupos a filha do Dr. Murray , foi tão evidente que compensava sobejamente a falta de avaliação matemática (absurdamente exigida sempre pelaMicro-Parapsicologia). Deve-se notar que o resultado era menor quando a filha do receptor não fazia parte do grupo, e era nulo quando só atuava ela.
Isso quer dizer que se a intervenção da filha estabelecia um “contato” emocional muito conveniente, também o reforço que trazia o grupo era um fator imprescindível para ela, pois sozinha não manifestava suficiente força telepática.
Podemos repetir nada menos que com o prestigiosíssimo parapsicólogo Dr. Eugenne Osty, fundamentando-se em inumeráveis casos análogos: “Há um produtor predominante, embora com seu poder dependendo (…) do seu grupo”.
No caso do Curandeirismo por um grupo, o “produtor predominante” e “ocontato emocional muito conveniente” geralmente é exaltado pelo fator confiança cega nos poderes “mediúnicos” dos curandeiros, pelo relacionamento contagiante de superstição previamente estabelecido entre a sociedade e o paciente, pela angustiante expectativa do doente, etc.
Esclarecimento necessário
Devemos repetir: A Parapsicologia tem demonstrado que na chamada Sugestão Telepática o papel primordial é do receptor. O “agente” e suas “mandingas”, ritual ou técnicas… não passam de mera condição extrínseca, mero objeto da atividade paranormal do receptor.
A Sugestão Telepática, como o feitiço, como o Curandeirismo à distância, como qualquer outro fenômeno parapsicológico de conhecimento eqüivale no âmbito do paranormal às outras faculdades ou sentidos no âmbito do normal. Como a visão, por exemplo. Quem não tem a vista em bom estado, ou não tem todo o restante dos requisitos psicofísicos da visão suficientemente desenvolvidos e em bom estado, é cego ou mais ou menos deficiente na visão.
Da mesma maneira, para captar à distância a boa intenção do curandeiro (ou a má intenção do feiticeiro), é o receptor que deve ter a telepatia suficientemente “desenvolvida” no seu inconsciente. Do contrário não capta, ou melhor, não manifesta a captação em grau suficiente para ativar a força “curadora” do psiquismo no seu próprio organismo.
Quanto mais parapsicológico, pior
Por conseguinte e evidentemente, não é o curandeiro que “cura”, nem em presença nem à distância. Em caso de ser captada telepaticamente a intenção do curandeiro, é o próprio paciente que “sara” pelo poder do próprio psiquismo. Na “cura” telepática à distância e na “cura” em presença, o fenômeno essencialmente é o mesmo.
Acrescenta-se, porém, uma grande dificuldade provinda precisamente do aspecto propriamente parapsicológico: essa “cura” psíquica pressupõe a percepção telepática. E a manifestação dos fenômenos parapsicológicos é essencialmente rara, esporádica, incontrolável.
No artigo anterior, a respeito da Terceira Hipótese, temos dado grande importância ao ambiente geral e ao relacionamento curandeiro-paciente. Além desse influxo já estudado para desencadear a atuação psíquica, também o ambiente e a relação curandeiro-paciente é importante para propiciar o surgimento, alguma vez, das faculdades parapsicológicas do próprio doente. Logicamente caberia esperar que as faculdades e a situação parapsicológica por sua vez propiciassem, em maior grau, nova exaltação do poder psíquico de “cura”.
A este respeito resumia o destacado parapsicólogo Maurice Colinon num Congresso Internacional de *Parapsicologia: “No discurso de diversas intervenções que procederam à minha, me proporcionou particular felicidade ver posta em evidência esta idéia, absolutamente fundamental, que é impossível isolar o fator Psi (parapsicológico em geral) das circunstâncias que o levam a manifestar-se, isto é, no meu caso, do contexto psicológico e social (…) O fator Psi não deve buscar-se unicamente como uma característica do curandeiro. Ao contrário, é muito possível que seja revelado no paciente e, ainda mais provavelmente, na relação curandeiro-doente”.
Na balança
Se colocássemos nos pratos de uma balança a Medicina e o Curandeirismo, concluiríamos:
1°) Que apesar das maravilhosas faculdades parapsicológicas relacionadas com oCurandeirismo, o Curandeirismo nada pesa, mesmo o mais dotado parapsicologicamente dos curandeiros não oferece garantia nenhuma, nem a mínima possibilidade de algum domínio sobre o seu “método de cura parapsicológica”. Nunca com hora marcada. Raríssimo espontaneamente. Jamais com freqüência, como eles afirmam.
Tudo o contrário da Medicina. A Medicina conta com uma história gloriosa. É indiscutivelmente uma ciência organizada, sistematizada, experimental, capaz de exercer controle severo das forças psíquicas e orgânicas. Com ela, o prato da balança desce totalmente.
2°) Mesmo nos raríssimos casos de auto-“curas” parapsicológicas, como por exemplo nos casos citados da influência de medicamentos sem serem absorvidos, e outros fenômenos similares, é evidente que a faculdade parapsicológica não faz mais do que pode fazer um tratamento científico-médico moderno.
No Congresso Internacional de Utrecht, o Dr. Louis Rose, expondo os resultados das suas longas pesquisas realizadas a pedido da S.P.R. de Londres, declarou “não haver sido capaz de encontrar jamais um só caso ou uma doença realmente orgânica que fosse curada ou nem sequer aliviada (por um curandeiro), onde fracassariam os tratamentos médicos normais após razoáveis tentativas”.
Conclusão. A hipótese da Para-iatria (à margem da Medicina, para designar a suposta “cura” parapsicológica) certamente não é Meta-iatria (mais do que a Medicina) como propagam os curandeiros . A pretendida “cura” parapsicológica seria outro caminho nunca melhor que a Medicina, e sim muito menos freqüente, cheio de perigos , manifestamente inferior ao da Medicina. Portanto, a pretendida “cura” parapsicológica deve ser chamada Hipo-iatria, Infra-medicina, simplesmente Curandeirismo.