O inconsciente conhece muitíssimo mais que o consciente.
Um sonho revelador – O filósofo Delboeuf sonhou que no pátio da casa encontrara duas lagartixas enterradas na neve e rígidas pelo frio. Tomou-as, aqueceu-as nas mãos e colocou-as numa greta do muro. Depois colocou ao lado delas umas ervas que lá cresciam. Ainda em sonho pronunciou o nome da planta: “Asplenium ruta muralis” (sic). O nome se lhe apresentou como algo familiar.
Delboeuf não se lembrava de quase nenhum dos nomes técnicos das plantas apreendidos na época de estudante. Como, pois era possível aquele conhecimento técnico? Após 16 anos encontrou casualmente a explicação: em casa de um amigo encontrou um pequeno álbum de flores secas, no qual estava escrito, por seu próprio punho: “Asplenium ruta muraria”. O mesmo Delboeuf o escrevera muito tempo antes, depois de consultar um botânico. Delboeuf já nem se lembrava de que sua irmã presenteara aquele álbum ao amigo. Única variante: “muraria” por “muralis”.
Casos semelhantes são bastante freqüentes. Isto nos prova, evidentemente, que se guardam no nosso psiquismo antigas lembranças que o consciente já esquecera completamente. Surge, pois, a pergunta: até que ponto chega a memória do inconsciente? As respostas as daremos por partes.

ËPOCA INFANTIL – Um primeiro passo importante é, sem dúvida, constatar que o nosso inconsciente lembra coisas que conhecemos quando ainda não tínhamos uso da razão. Este fato tem-se comprovado inúmeras vezes.
O Dr. Maury, por exemplo, uma noite sonhou que era menino e que vivia num povoado de Trilport. Lá imaginou ver um homem fardado que dizia chamar-se … “fulano”. Maury gostava de analisar seus sonhos. Embora não tivesse a menor idéia daquele homem nem daquele povoado, onde pensava não ter vivido nunca, havia no sonho uma vaga sensação de “já visto”. (“Déjà vu”, em francês, foi adotado em Parapsicologia como nome técnico deste freqüentíssimo fenômeno). Passado algum tempo encontrou-se com a antiga ama seca. A aia disse-lhe que sendo ele muito criança foram à mencionada localidade, onde o pai devia construir uma ponte, e que havia lá um policial com o mesmo nome que lembrara no sonho.
Foi essa uma impressão de “déjà vu” que, contra toda verossimilhança, se confirmou.
Mais ainda, tem-se comprovado também que a lembrança pode-se referir inclusive àquelas sensações que se tiveram quando criança de colo!
Rignano, p. ex., cita no seu “ensayo de síntesis científica” o seguinte caso:
Um jovem, ao chegar a um lugar “onde nunca estivera”, conhecia tudo perfeitamente. Impressionado, pesquisou, descobrindo que quando criança de poucos meses fora levado para aquele lugar pela ama.
O inconsciente arquivara todos os detalhes. Agora, em presença do lugar, a lembrança brotou.
Uma família estava confusa pelo acontecido com uma das filhas. Procuraram-me até um tanto angustiados, e para livra-las da angústia é que decidi fazer umas averiguações.
Trata-se de uma jovem de 16 anos. Um dia fora a um grupo escolar e percebera que “já o conhecia”, apesar de nunca ter estado nele! As professoras do centro, impressionadas pelo fato, fizeram naquele mesmo momento algumas experiências e, com efeito, a jovem descrevia as salas antes de abrirem-se as portas. Só uma falha: disse que uma sala era o gabinete da diretora e, na realidade, o aposento era de uso da encarregada da limpeza. Os familiares da jovem estavam angustiados, porque alguns espíritas tinham-lhes dito que isso era prova evidente (!) de que a menina tinha estado naquele colégio numa reencarnação (?!) anterior, doutrina que eles, como católicos, não podiam admitir.
As averiguações que realizei comprovaram, em primeiro lugar, que só durante o primeiro ano de funcionamento do grupo escolar aquele quarto que a jovem designava como gabinete da diretora o fora de fato. Atualmente nenhuma das professoras do colégio sabia disto, pois todas eram mais recentes na casa. E foi precisamente naquele ano da inauguração que uma tia da jovem esteve visitando o grupo levando-a no colo, então uma criancinha de um ano de idade.
Têm-se feito algumas experiências de ler para um menino, às vezes mesmo de poucos dias, um longo parágrafo de um livro, e passados vários anos, fazer-lhe repetir, em hipnose, o mesmo parágrafo que só uma vez ouviu, e que nem mesmo era capaz de entender. O inconsciente, até de criancinha, é um ótimo “gravador”.

LEMBRA-SE ATÉ DO “NÀO-PERCEBIDO” – É um passo a mais para compreendermos até onde chega a memória do inconsciente.
Muitos são os aspectos e casos que se poderiam analisar sobre a lembrança do “não-percebido”. Com efeito, como vimos, o inconsciente lembra-se do que só ouviu em tenra idade. É um tipo de “não percebido”, já que as criancinhas “não prestam atenção”. São freqüentes os casos de lembrar-se do que se ouviu completamente distraído; eis outro tipo do que chamamos “não-percebido”. Podemos lembrar-nos até daquilo que jamais poderia perceber o consciente, lembrança de sensações hiperestésicas e certamente inconscientes como veremos neste e no próximo artigo.
Agora queremos frisar outro aspecto do “não-percebido”; possivelmente não existe algum estado de tal “desmemorização” que possa inclusive atingir o inconsciente. O exemplo típico é dado por Charcot numa das suas famosíssimas aulas na Salpêtrière:
Uma doente, depois de violenta crise provocada por uma emoção, esquece tudo, desde um mês antes da crise (amnésia retrógrada), e depois não pode fixar nada nem guardar nenhuma lembrança (amnésia atual).
Charcot, o célebre investigador do hipnotismo em doentes, analisa assim o caso em aula:
“Na realidade, os fatos que ela esquece tão rapidamente no estado de vigília, e que não pode fazer aparecer no seu consciente estavam verdadeiramente registrados (pelo inconsciente). A prova é que, espontaneamente, ela conseguiu lembrá-los de noite, no sonho. Mandamos que fosse observada por dois vizinhos de cama e comprovamos assim que ela freqüentemente sonha alto e que nos seus sonhos faz, às vezes, alusão aos acontecimentos… que é incapaz de fazer reviver no estado de vigília”.
“Mas a prova de que o inconsciente se lembra de tudo está, especialmente, no fato seguinte: esta mulher que conseguimos hipnotizar, encontra durante a hipnose, todos os fatos sucedidos até o presente momento, e todas as lembranças revivem associadas, sistematizadas, de modo que formam uma trama contínua e como que um segundo eu, que contrasta estranhamente como o eu oficial do qual todos conheceis a amnésia profunda”.

APRENDIZADO IMEDIATO DE COISAS COMPLEXAS – Entre os casos espontâneos é clássico o referido por Michée e citado por muitos autores:
Um jovem açougueiro, num acesso de mania, recitava páginas inteiras da “Fedra” de Racine. Curado da sua mania, por mais esforços que fizesse, não conseguia recordar-se de um verso sequer. Declarou ter ouvido uma só vez a leitura dessa tragédia, quando pequeno.
Poucas coisas são tão complexas quanto as línguas. O próximo artigo leva como subtítulo. “O inconsciente, a melhor escola de línguas”. É por isso que não nos deteremos agora no tema da complexidade dos dados que pode arquivar o inconsciente.

EXTENSÃO QUALITATIVA – Mede-se a memória não só pelo tempo durante o qual retém os dados aprendidos (extensão temporal, de que logo falaremos), nem tão pouco só pela quantidade de dados que é capaz de armazenar (extensão quantitativa ou complexidade, à qual acabamos de aludir); mede-se também pela minuciosidade dos detalhes que chega a conservar. Isto vem a ser a extensão qualitativa.
Em matéria de detalhes, isto é, no aspecto qualitativo, o inconsciente chega a limites insuspeitos.
Desde Bottley, são relativamente freqüentes na hipnose experiências como a seguinte:
“Coloca-se sob os olhos do sonâmbulo (hipnose profunda) uma série de folhas de papel superpostas e ordena-se-lhe que escreva (psicografia) à medida que se vai ditando. Após ter escrito algumas linhas sobre a primeira folha, esta é retirada subitamente, e ele prossegue escrevendo a Segunda folha. Opera-se da mesma forma com a terceira, depois com a quarta folha, etc., ficando escritas sobre cada uma delas apenas algumas linhas. Finalmente, ordenando-lhe que releia em voz alta tudo o que escreveu e que coloque a pontuação nos lugares necessários, ele pode executar tudo isto com extraordinária exatidão, não omitindo nenhuma palavra e fazendo as correções nos exatos devidos lugares das folhas retiradas”. Sobre a folha em branco!
O fenômeno pode ser reproduzido aproveitando-se outros estados de inconsciência, diferentes da hipnose, como, p. ex. o sonambulismo espontâneo, durante o sono natural.
O Arcebispo de Bordeaux, colaborador no artigo “Sonambulisme” da “Encyclopedie Française”, refere o seguinte caso:
Um jovem sacerdote, durante o sono levantava-se sonâmbulo para escrever sermões e compor música. O Arcebispo acompanhou o sonâmbulo várias noites seguidas. Com precisão matemática, o jovem, de olhos fechados, apanhava todo o material necessário. Quando compunha música, traçava primeiro as pautas com uma régua. As notas e o texto eram perfeitos, e, se havia erros, ao “reler”, corrigia-os nos lugares correspondentes. Os sermões, lia-os em voz alta do começo ao fim com os olhos fechados! Corrigia as passagens de que não gostava. O Arcebispo, suspeitando que o sonâmbulo talvez enxergasse através das pálpebras fechadas, interpôs obstáculos, como folhas de papelão diante do sonâmbulo, quando este “lia”. O padre continuava lendo calmamente, imperturbável. Outras vezes o Arcebispo substituía as folhas escritas por outras folhas de igual formato, peso, etc., e o padre “lia” sobre as folhas em branco o que estava traçado nas outras. Também corrigia nas páginas em branco os erros ou frases menos felizes, sobre os lugares exatos correspondentes aos das outras folhas.
Como se vê por estas manifestações, a minuciosidade da memória do inconsciente é assombrosa.

O TEMPO NA MEMÓRIA INCONSCIENTE – Eis outro fator de grande importância. Três aspectos que na realidade se interpenetram podem ser aqui considerados:

1) ATÉ QUE IDADE ANTERIOR PODEM RETROCEDER NOSSAS LEMBRANÇAS? – Já apontamos alguns casos de memória de fatos acontecidos antes do uso da razão e inclusive na primeira infância. Tais casos são relativamente freqüentes.
Mais ainda: um tipo de experiência é apresentado sob o aspecto e denominação de “regressão” na idade. O hipnotizado é levado pela força da sugestão a anos passados, reproduzindo então critérios, gestos, linguagem, ocupações ou jogos próprios da idade sugerida.
Alguns autores que não tem considerado suficientemente o assunto defendem a “regressão” a um estágio uterino anterior à mielinização, ou, inclusive, pré-uterino. Os melhores especialistas evidentemente contestam esse fato. Tais “regressões” são puramente fictícias. O paciente, submetido a sugestão, é capaz de criar magníficas fantasias. É verdade que, em alguns casos, o inconsciente poderá revelar fatos ocultos, e que depois se comprova corresponderem a épocas de pré-mielinização ou pré-uterinas sugeridas. Não se trataria nestes casos de autêntica lembrança do inconsciente, mas apenas, em última análise, de conhecimento atual paranormal, extrasensorial. Geralmente será mera projeção ao passado de conhecimentos atuais conscientes ou inconscientes.
Está claro que, na “regressão” hipnótica, não se trata de verdadeira regressão do tempo e que, portanto, não se pode esperar uma acomodação total da personalidade à idade sugerida como esperavam alguns hipnólogos menos avisados. O inconsciente toma do seu arquivo inúmeras lembranças, para fingir a “regressão” que se lhe impõe, mas nem por isso se desprende da personalidade adulta presente!
Há pessoas que “regridem” a idades infantis, e, submetidas ao teste de Rorschach, procedem aparentemente com psicologia infantil, o que demonstra a memória do inconsciente. Mas um psicólogo experimentado descobrirá logo detalhes de madureza, o que demonstra que a regressão é só aparente.
Um homem desenhou uma árvore com traços e ingenuidades próprias da idade sugerida de seis anos, mas não omitiu as raízes, detalhe que aos seis anos de idade autêntica teria omitido.
Outro indivíduo, depois de aceitar a sugestão de que tinha quatro anos, perguntado repentinamente sobre que horas eram não conseguiu reprimir um gesto de consultar o relógio de pulso.
Esses e outros exemplos, mostram que se trata de memória… e imaginação.
Outros autores, como Samuel Butler, querem ver no instinto, animal ou humano, uma memória inconsciente herdada. Mas será que os primeiros animais e os primeiros homens não tinham instintos? Em todo o caso, o instinto, reflexos incondicionados, fatores hereditários do caráter e outros, só num sentido muito lato poderão ser chamados “memória”.

2) ATÉ QUE IDADE AVANÇADA SE ARQUIVAM AS LEMBRANÇAS? – Parece que até à morte. Mais ainda; como é sabido, é precisamente nos moribundos que o inconsciente parece aflorar mais, surgindo lembranças “até dos primeiros anos de vida”.
Os velhos, com freqüência, lembram até conscientemente os seus primeiros anos, a sua infância, a sua juventude, e continuamente falam deles.
São muitos os casos em que pessoas muito velhas manifestam de repente por qualquer associação inconsciente lembranças tão antigas, tão esquecidas pelo consciente, que ninguém as reconhece como lembranças, dando origem a interpretações às vezes supersticiosas.
Tornou-se clássico em Psicologia Experimental o seguinte caso:
Uma anciã, ao passar por um lugar “no qual nunca estivera”, “adivinhou” de repente que naquele local tinha havido plantações de violetas. Fato surpreendente porque aquele local, edificado e central, não poderia sugerir absolutamente tais plantas anteriores. Mas a senhora, sem poder explicar o motivo, estava convencida do que afirmava. Fizeram-se averiguações e comprovou-se que de fato, mais de trinta anos antes, naquele local se tinha derrubado um edifício, tendo ficado acertado que, até nova construção, o terreno serviria para plantações de um famoso jardineiro. A senhora, porém, ignorava absolutamente esta circunstância.
O tempo encarregou-se de elucidar a questão. O marido da senhora, intrigado também, pensou muitas vezes no assunto. Um dia, quase de repente, lembrou-se de que, pouco antes de ser vendida a propriedade, ele mesmo comprara lá um ramalhete de violetas para sua esposa, então convalescente de uma doença. Só então a esposa se lembrou de que seu marido, ao dar-lhe as flores, lhe disser onde as comprara.
Ambos haviam se esquecido, mas o inconsciente “não esquece nada”. Ao passarem por aquele lugar, trinta anos após, efetuou-se a associação das idéias e brotou a misteriosa lembrança.

3) POR QUANTO TEMPO O INCONSCIENTE CONSERVA AS LEMBRANÇAS?
– Implicitamente esta questão está já respondida nos itens anteriores: desde a infância até a velhice parece que o tempo não afeta a memória do inconsciente.

A CORRENTE DA MEMÓRIA – Para sabermos até que ponto chega a memória é importante mais um dado. Já temos até retardados mentais no consciente, como o famoso Fleury, foram calculados prodígio.
visto como as coisas acontecidas em estado consciente arquivam-se no inconsciente. Arquivam-se também no inconsciente as coisas acontecidas durante os mesmos estados de inconsciência. E a passagem de um estado a outro de inconsciência não está fechada para a memória do inconsciente. Por exemplo, o acontecido durante a inconsciência de uma crise histérica surge na hipnose. O acontecido na hipnose surge à tona, por exemplo, no desdobramento da escrita automática. O acontecido durante o sonho é lembrado, por exemplo, na alucinação quando se fixam os olhos numa bola de cristal, etc. Tudo parece indicar, pois, que a memória do inconsciente forma “uma trama contínua, ininterrupta”, segundo a frase de Charcot já citada.
Eis um caso de lembrança, no sonho natural, de algo realizado na inconsciência da sugestão pós-hipnótica.
O Dr. Voisin hipnotiza um homem. Feito isto, sugere-lhe que ao acordar, em vigília, deverá assassinar uma mulher que então estava deitada num leito próximo, e sugere também que deve esquecer tudo. Acordado do sono hipnótico, sem saber por que o indivíduo dirige-se à cama que estava perto e sem hesitar apunhala um manequim de mulher, perfeitamente dissimulado.
Os magistrados, diante dos quais se realizava a experiência, não conseguiram do suposto assassino nem a confissão do crime nem a descrição do ato, nem o nome do cúmplice que o sugerira.
Era uma ação em vigília mas imediatamente esquecida por efeito da sugestão pós-hipnótica.
Três dias depois, o homem volta à Salpêtrière. Sua fisionomia mostra as marcas do sofrimento moral intenso e de insônia pertinaz. Queixa-se de ver todas as noites, assim que adormece, uma mulher que o acusa de tê-la assassinado com uma faca. Acorda sempre excitadíssimo. Rejeita o sonho como absurdo, mas conciliando novamente o sono, surge o mesmo sonho da trágica aparição. Os médicos tiveram então de explicar-lhe tudo para que o pobre homem não ficasse louco.
Bernheim, depois de fazer muitas experiências corroborando o fenômeno de que pelo hipnotismo se podem relembrar fatos que pareciam totalmente esquecidos ou nunca percebidos, passou nas suas experiências ao fenômeno de que agora tratamos. Demonstrou até a saciedade como durante a hipnose podem ser lembrados todos os fatos que em anteriores hipnoses haviam realizado, mas com a sugestão pós-hipnótica (eficaz portanto, só para o consciente) de que depois fossem esquecidas. Pede-se a um hipnotizado que descreva o que se lhe mandou esquecer e é curioso comprovar quão perfeitamente se lembra de tudo o que, quando consciente, chega a pensar que não viu nem sentiu.
A “corrente” da memória fora já amplamente confirmada por Janet.

UMAS CONCLUSÕES PRÁTICAS
– A sugestão pós-hipnótica para esquecimento não é eficaz no inconsciente. Sugestões pós-hipnóticas de esquecimento, por exemplo, de traumas para cura de psiconeurose, muitas vezes não corresponderão ao método mais indicado, pois, passado algum tempo, por efeito de associações ou certas contradições espontâneas, o trauma “esquecido” pode surgir de novo à tona.
Não se deve pensar, outrossim, que certas sugestões até ridículas, não são perigosas pelo simples fato de que depois se dão sugestões pós-hipnóticas de esquecimento. É este um dos perigos da hipnose de palco.

PANTOMNÉSIA OU HIPEREMNÉSIA? – Se somos pantomnésicos (do grego “mnésis = memória, e “pantõm” = de todas as coisas) lembramos tudo, absolutamente tudo. Se somos hiperemnésicos (do grego “hiper” = sobre, extraordinário; e mnésis = memória) então nossa memória inconsciente seria, sim, admirável, superaria tudo o que geralmente se pensa, mas não seria precisamente memória de tudo.
O dilema é antigo. Foi Richet que propôs o termo “pantomnésia”: “Para indicar -escreve- que a memória não esquece nada e que tudo o que impressiona nossos sentidos (acrescentamos nós: ou todo ato da nossa inteligência, vontade, imaginação…) permanece fixado no cérebro inconsciente, eu proporia a palavra ‘pantomnésia’. Pela sua etimologia, significa que nenhum vestígio do nosso passado cognoscitivo se apaga”.
Não é possível provar experimentalmente que não se esquece absolutamente nada. Mas a pantomnésia parece lógica. Em todo caso, embora houvéssemos de conceder que talvez possa se apagar alguma coisa da nossa memória inconsciente, o fato indiscutível é que o inconsciente arquiva muito mais do que ordinariamente se poderia suspeitar. E na Parapsicologia, se algum fenômeno pode explicar-se por memória inconsciente, é evidente que não devemos recorrer a outras explicações mais “misteriosas” como os fenômenos paranormais, e muito menos a explicações ultra-terrenas ou ao absurdo da reencarnação, como já Richet formulou: “Provavelmente, todos somos pantomnésicos. Em todo caso, na apreciação dos fenômenos metapsíquicos, devemos admitir que não esquecemos absolutamente nada”.

A PANTOMNÉSIA NA VIDA QUOTIDIANA – A memória é como um desses enormes blocos de gelo que os ingleses chamam “iceberg”. Só uma pequena parte aparece sobre a superfície do mar, a memória consciente, a memória atual se é que podemos empregar essa expressão. Mas, da superfície pode-se ver também uma pequena parte do “iceberg”, contanto que queiramos olhar para baixo: é a memória pré-consciente. São todas essas lembranças que temos arquivadas e às quais agora, por exemplo quando estamos lendo estas linhas, não prestamos atenção. Mas basta que queiramos e nos lembraremos como é o nosso nome e o dos nossos parentes, e onde moramos, em que ocasião fizemos uma viagem de avião pela última vez etc. Basta olharmos para baixo, sob a superfície do mar, ao pré-consciente. Há outra zona do “iceberg” que não vemos nem mesmo se olharmos para ela. Mas se o “iceberg” se inclinar ou revirar, essas lembranças irão emergir. Isto acontece porque as circunstâncias (associação de idéias inconscientes) procuraram ou reclamaram tal lembrança.
Às vezes é bem longo o tempo empregado pelo arquivador, até encontrar a lembrança que procura:
Brockelbank, por exemplo, perdera um canivete de estimação. Procurava-o em vão. Conscientemente decidiu não pensar mais no assunto. Mas o inconsciente ficou alerta. Certa noite, seis meses mais tarde, o inconsciente conseguiu encontrar a lembrança arquivada. Brockelbank sonhou então que usava umas calças velhas, há muito tempo abandonadas, e que lá se encontrava o canivete. Por que sonhou isto? Intrigado, quis ver se era verdade e foi em busca das calças. No bolso com o qual sonhara estava o canivete.
Muitas das chamadas “intuições” ou “inspirações” do momento são, no todo ou em parte, lembranças do que ouvimos, lemos, pensamos em ocasiões anteriores. Mas passam quase sempre despercebidas no seu aspecto de lembranças.
Podemos fomentar a associação de imagens e excitar o inconsciente, fazendo, assim, trabalhar o arquivador.
Conta-se na biografia do sábio espanhol Amor Ruibal que sua prodigiosa memória consciente (pré-consciente) permitia-lhe encontrar sem fichário o que precisava na sua confusa biblioteca pessoal. Um dia, porém, a memória consciente falhou e apesar de empregar várias horas não encontrou um folheto raro sobre o Código de Hammurabi.
Encarregou alguns auxiliares de vasculharem dependência por dependência, livro por livro, pasta por pasta, para encontrar o folheto. Inútil. Aquela noite deitou-se profundamente contrariado e preocupado, pois precisava com urgência do folheto, e em sonhos viu o folheto em determinado lugar inesperado. Acordou. Rapidamente foi ao lugar para constatar se era verdade… Lá estava o folheto extraviado.
O inconsciente, aguçado pelo desespero da situação “trabalhou no seu arquivo” toda a noite, até encontrar a lembrança desejada.
Maury, esforçava-se por lembrar determinada coisa interessante antes de deitar-se à noite. E assim muitas noites ia “provocando” o arquivador. Em sonhos, com alguma freqüência, vinham lembranças e mais lembranças.
Método quase idêntico, embora admita melhor técnica, é o da hipnose. Pela hipnose, em alguns casos, podemos obter excelente ajuda para a vida prática, sob a direção de algum médico ou psicólogo técnico em hipnotismo, com o que reduziremos ao mínimo o perigo de fomentar o automatismo e outras decorrências perigosas.
Um conhecido especialista em hipnose refere-nos o seguinte caso:
A Srta. W procurava encontrar uma comercial muito importante, que perdera um ano antes da nossa entrevista… Em estado hipnótico, e em resposta a perguntas específicas, disse, primeiro, quando recebera a carta; depois, em que oportunidade a utilizara; e por último, quando a vira pela última vez. Foi no quarto para hóspedes, de sua tia, em Boston, enquanto preparava a mala para viajar.
– “Não a colocou na mala?”
– “Não”.
– “Desde então não a viu mais?”
– “Não”.
Acordando-a, informei-a de que deixara a carta no quarto para hóspedes em Boston. (Em vigília ela afirmara que a última vez que tinha visto a carta fora num escritório de New York). Ela não acreditava ser isso possível, mas disse que o comprovaria escrevendo para sua tia. Algumas semanas mais tarde, fui informando de que a investigação confirmara a revelação feita durante a hipnose. A carta fora encontrada em Boston. Felizmente, sua tia a tinha guardado.
Por meio da hipnose ou associações, testes, drogas, etc., o psiquiatra poderá obter algumas vezes do inconsciente lembranças que o auxiliem na recuperação do paciente. Com a colaboração do médico ou psicólogo hipnotizador o advogado poderá obter dados preciosos para a reconstituição dos fatos do seu cliente, etc.
Uma experiência quase de rotina é a comprovação da memória do inconsciente durante a hipnose. Pela hipnose chegou-se por vezes a bastante profundidade do arquivo. “Em conseqüência, a imaginação exalta-se também, dando à linguagem dos pacientes um brilho e um colorido notável: a memória reproduz com notável precisão cenas e pormenores que, em estado de vigília, estão completamente esquecidos, ou jamais fixados”.

O cérebro humano é o mais perfeito e completo.
A CRIPTOMNÉSIA – Para chegar às capas mais profundas do “iceberg” não há técnicas suaves. Tratar-se-ia de causar uma tempestade, um profundo desarranjo no psiquismo. Diríamos dar a volta ao psiquismo, ou fazer explodir o “iceberg”, excindir a personalidade de forma que, consciente e inconsciente “se apresentem em público” conjunta ou sucessivamente: dupla personalidade, tríplice, etc.
Às vezes, estes profundos desarranjos, surgem como resultado de graves traumas físicos ou psíquicos, assim como doença, acidente, golpes na cabeça, desgraças, medos…
Especialmente estas manifestações do inconsciente mais profundo sempre se apresentaram nimbadas de mistério, porque só recentemente se descobriu a origem na memória do inconsciente. É por isso que a memória do inconsciente foi chamada também “criptomnésia”, que etimologicamente significa “memória oculta”. Explicando o conceito diríamos que é a memória sem aparecer como tal, sem se saber que se trata de lembranças.
Uma grande parte do próximo artigo poderia ser aduzido aqui, como exemplo de “lembrança ocultas”, resultado de profundo desequilíbrio psicofísico.

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